“Oi. No seu vocabulário tem top?”
Foi a primeira pergunta desferida no primeiro match do Tinder e pensa consigo: “será
mesmo que esse negócio de aplicativo dá certo? O cara mau me cumprimentou e já
me faz um tipo de pergunta como essa?!”.
A resposta é curta e grossa. “Sim.
Top é meu mantra ao acordar e dormir”. Já o descarta como possível pretendente.
Entre vários perfis se esbaldava de rir e ela se perguntava: ” porque homens
sem camisa acham que vão conquistar uma mulher? A mulher vai conversar com
músculos e whey protein?” Não entendia e continuava procurando pretendentes
para uma gargalhada ou duas.
Nota uma alta incidência de
médicos no aplicativo. “Gente porque esse bando de homem bonito tá solteiro?
VEM NI MIM MEU BEM, QUE EU PRECISO DE UM EXAME COMPLETO”. Se conteve nas
risadas e dava likes desenfreados em todos os médicos lindos que via pela frente.
Nenhum gostou dela, mas ela não perdia o entusiasmo de achar tudo aquilo um
grande passatempo.
“Acho que encontrei o paraíso!”,
fala um jovem de 24 anos, jogador de tênis profissional. Ela logo se prepara
para a bomba e pergunta o por que?. “Porque eu quase tive um infarto com tanta beleza,”. Ela ri e
nem consegue responder.
Outro rapaz pergunta: “Curte um ménage?”.
E ela resolve dar papo. “Sim, adoro um ménage. Bora fazer um? Tenho uma irmã
linda e parecidíssima comigo. Nós adoramos! ”. E depois de alguns minutos ele
responde. “Que isso moça, vamos com calma, mau te conheço, você está com muita pressa!
”. Ela vai até o banheiro fazer xixi de tanto que riu da situação.
Pensa em dormir, mas estava
gostando tanto daquilo que passou uns bons minutos fuçando.
Começa
a selecionar os homens ali presente. Os sem rosto. Aqueles que postam apenas uma foto, de costas. Os viajantes, que em cada foto eles estão em algum canto do
planeta. Os da BA-LA-DA, aqueles que sempre estão cercados de amigos em várias
fotos, inclusive, muitas vezes havia mais interesse nos amigos do que no
próprio. Os ricos, como o próprio nome já diz. Os tímidos, que curtiam a
foto e se omitiam para sempre. Os estressados que já colocavam na descrição
que se você curtisse a foto deles o mínimo a se fazer era conversar. Os
amantes da erva e os tarados que eram os que ela
estava se esbaldando.
“Então
você gosta de animais?!”. Um homem alto, de olho claro, formado em História a
pergunta e ela logo se empolga e acredita que finalmente vai ter uma conversa
de adultos com alguém. “Sim, eu amo animais. Essa foto que coloquei no perfil é
da minha cachorrinha que morreu. Ela não era linda? ”. “A cachorra era linda
mesmo. E a mãe, o que tem de cachorra dentro de si? ”. "Bom, o meu latido é estridente e eu não fui vacinada contra a raiva. Boa noite".
Depois
dessa resolve dormir. Ao amanhecer, prepara o seu café da manhã enquanto
seu celular apita. Um homem baixinho, com barba, autointitulado como gerente de
banco começa uma conversa bem madura, a princípio. Rola química, e os dois
conversam o dia inteiro sempre que podiam. No fim da tarde resolvem se
encontrar.
O encontro foi em um shopping. Local público para evitar acidentes. A conversa flui e resolvem assistir um filme que estava passando no cinema. Ao adentrar ao local o rapaz logo começa a reclamar que o local estava sujo e ela não encontra nenhuma sujeira aparente. Ele retira um pano e um álcool gel da mochila e começa a passar em toda a poltrona. "Sabe como é né! Bactérias estão por todos os lados, melhor prevenir". No decorrer do filme ele não para de comentar vários aspectos do filme. Parecia um critico de cinema. Várias pessoas pediam por silêncio. Ela só se afundava mais na poltrona desejando ser teletransportada para a segurança de casa. Ele tenta pegar na mão dela e lhe é negado. "Onde é que eu fui me meter?!, se questiona. Antes do filme acabar ela diz que vai ao banheiro e desaparece.
Chegando em casa, tira a maquiagem, coloca seu pijama, abre a geladeira, pega seu pote de sorvete
preferido, deita na cama e abre um livro para ler. O título: "Bem aventurados os que riem dos desastres"