A CULTURA DA CHIBATA NÃO MORREU
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Val é
simples, caricata e empregada de uma família de classe alta na cidade de São
Paulo.
Val como
muitas mulheres brasileiras, saiu de sua cidade natal com o intuito de
conseguir viver melhor.
Mas o que
seria “viver melhor”?
Val sai do
Nordeste rumo a capital paulista. Com uma visão de trabalhar para se sustentar
e criar a filha, Jessica, que ficou para trás. Assim consegue emprego como
empregada em uma casa.
Val mora no
quarto de empregada da casa. Quente, pequeno e afastado da sede principal. Val
é considerada “praticamente da família”. Mas sabe que não é e nem nunca chegará
perto de ser de fato da família.
Val se
coloca no seu lugar, “o local da criadagem”. E se comporta como uma criada.
Lava, passa, limpa, cata o coco do cachorro, prepara o almoço, o café, lanche,
a janta, enfim, “sua obrigação”. Tudo na intenção da falsa ideologia de “viver
melhor”, que na tradução significa ter dinheiro e aceitar condições precárias.
O filme,
particularmente, me incomodou do começo ao fim. Realmente é um filme para ser
indicado ao Oscar. Porque mostra a realidade delas, as excluídas, que são
“quase” parte das famílias que, muitas vezes, desde muito cedo, trabalham.
Antigamente
os negros eram os escravos. Trabalhavam exaustivamente, eram postos em
senzalas, sofriam abusos físicos e psíquicos, simplesmente por sua cor; considerada
como inferior. O período durou muito tempo, mas a abolição da escravatura foi
assinada, pela Princesa Isabel e livres eles estavam.
Nos dias
atuais, está velada a seguinte frase: não existem mais escravos. E ao mesmo
tempo a contrarresposta é: e sim empregadas. Nós pagamos, elas nos servem.
Justo? Sim, você responderia. Mas temos alguns poréns.
Val, criou o filho da empregada, o
Fabinho. Fabinho é apegado a Val, e o sentimento é reciproco. Fabinho se sente
mais confortável na presença de Val do que da mãe.
Com o
decorrer do filme é nítido que sua mãe tem preocupações individualistas. Ama o
filho, mas tem os seus problemas e seu trabalho. Hoje muitos de nós formamos várias
famílias ao decorrer de nossas vidas. Aquela que temos vínculos sanguíneos é
aquela que não elegemos. Mas os nossos amigos são considerados a família que
escolhemos. Não temos vínculos sanguíneos, mas nos consideramos “irmãos”. E
tratamos estes com o maior carinho e amor do mundo.
Val cuida do
filho da patroa, como se fosse seu, com um amor notável e genuíno. Val serve a
todos, trata a todos com carinho e respeito. Mas mesmo assim não é inteiramente
da família. É praticamente.
Cama
desarrumada, flores secas, chão sujo, pia cheia de pratos, panelas e copos. A
cachorra e suas sujeiras, os seus patrões lotando os lixos. Val, aquela que
sustenta os vícios dos folgados, mantêm tudo em ordem, tudo limpo. E aceita.
Até porque cada um na sociedade possui o “SEU lugar”.
Será?
No decorrer
do filme, Jessica, sua filha, liga e diz que está indo para São Paulo prestar
vestibular. Chegando, Val já lhe avisa de antemão.
IREMOS FICAR
NA CASA DE MEUS PATRÕES, PORQUE EU MORO NO MEU SERVIÇO.
Jéssica aproxima-se
para colocar ordem com sua desordem. Chega e já diz a que veio. Prestar o
vestibular da USP, para Arquitetura. Uma das mais concorridas de todo o Brasil.
O sarcasmo é notado, perante uma garota pobre e filha da empregada.
Os padrões
pensam: tadinha. E Jessica pensa, me aguardem (até porque mais a frente Jéssica,
a coitada, passa na primeira fase do vestibular e Fabinho, estudante
possivelmente dos melhores colégios da Capital, não).
Jessica nada
na piscina, come na mesa da cozinha, dorme no quarto de hospedes. A patroa fica
inconformada com as atitudes da garota e reproduz em forma de FALA, o que
muitos brasileiros que possuem os serviços de uma empregada, fariam/fazem.
Diz a Val
que quer Jessica para trás da porta da cozinha e ainda esvazia a piscina
argumentando que viu um rato (em forma de ser humano), apenas para a garota não
desfrutar do que não é dela.
Jéssica não
tem sangue de barata (e sim de pobre, pela visão da patroa de sua mãe), não se
conforma e vai embora da mansão. Sua mãe fica devastada, mas também se
incomodava com as ações da filha. Val considerava o seu lugar, e de quem mais
que possuísse vínculo com ela, no quartinho de empregada. Jéssica tenta mostrar
que não é assim.
O filme
serve para dar uma lição a aqueles que acreditam que família, se baseia apenas
em laços sanguíneos, tirando a “família dos amigos”. A mulher que te criou,
limpou suas sujeiras, te deu amor, carinho, ofereceu abrigo lhe expondo sua
confiança e até cedeu a sua cama para as noites em que você estava com insônia
é sim da SUA FAMÍLIA. E merece ter atenção, cuidado, carinho e a cima de tudo, receber
a confiança e compreensão que um patrão deve ter.
Por que as
empregadas não podem nadar na piscina em dias ensolarados? Como uma recompensa
mais do que merecida. Por que a Val não pode dormir no quarto de hóspedes, que
fica vago? O quarto da empregada é a senzala melhorada; pequeno, quente e
desumano.
Val enfim
pede demissão da casa, para finalmente, cuidar de sua filha e talvez recuperar
o tempo que perdeu, trabalhando a distância para sustentar a garota. A ternura
do momento é intensa.
Jéssica,
deixou um filho para trás, Jorge. Igualmente a mãe fez, em busca de uma vida
melhor. Mas Jéssica veio a São Paulo, não se sentindo inferior por ser filha de
empregada, por estudar em uma escola de nível ruim. Jéssica simplesmente não se
considera pior. E de fato não é.
Existem
várias Jessicas e Vals espalhadas pelo mundo à fora. Não pedem nem muito nem
menos, apenas querem o seu respeito.
De fato,
para as Vals , foi aprovado em maio deste ano melhorias aos seus cargos.
Remuneração por hora extra, em casos de acidente no trabalho, hoje, há uma
assistência , direito a seguro desemprego entre outros benefícios que vieram
pautar o quanto são merecedoras de direitos pelo serviço que prestam.
Quanto a
Jéssicas, que possuem um estudo falho por conta das escolas que tem poucos
olhos para o Estado brasileiro, existem as cotas, que muitos coxinhas reprimem.
O caso de
Jéssica (do filme) é mais interessante, ela não se contenta em receber regras e
sim analisa-las, contestá-las se for necessário e criar a sua própria ideologia
do fato.
As cotas
para alunos, de escolas estaduais e municipais, existem por vários motivos, mas
acredito que de alguma forma, esta tenta recuperar alunos da rede pública que
ficaram defasados pela falta de infraestrutura que lhes foram oferecidos. Os
esforçados e com visões além das que lhe são impostas, são cotistas que vão
longe.
- Por que este filme não foi um tapa na minha cara e sim um incomodo frequente?
Porque eu nunca fui de ter muitas empregadas em meu lar. Elas vinham e
iam. Mas na casa da minha avó paterna sempre existiu a amada “Danda”.
Danda sempre fez parte da família, sempre sentou conosco na mesa, sai com
a gente para ir em restaurantes e hoje depois dos filhos da minha avó Vera
tomarem um rumo na vida e saírem da casa, Danda é a única companhia, fixa, da
minha avó.
Acredito que seria estranho e incômodo para a minha pessoa se as coisas
não fossem assim com Danda que tanto cuidou e teve carinho com todos. Porque
ela não é praticamente, simplesmente é da família.
Danda tem todos os direitos e cuidados que todas as empregadas deveriam
ter no Brasil.
Dandão este recado vai para você:
EU NUNCA ME ESQUEÇO QUANDO EU FIZ VOCÊ SUBIR NUM PÉ DE FRUTA PARA FICAR
COMIGO, APENAS OBSERVANDO A FAZENDA DO VÔ VALDEMAR. TE AGUARDO EM MINHA
FORMATURA HEIM :)
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