A CULTURA DA CHIBATA NÃO MORREU

08:01:00


Val é simples, caricata e empregada de uma família de classe alta na cidade de São Paulo.

Val como muitas mulheres brasileiras, saiu de sua cidade natal com o intuito de conseguir viver melhor.

Mas o que seria “viver melhor”?

Val sai do Nordeste rumo a capital paulista. Com uma visão de trabalhar para se sustentar e criar a filha, Jessica, que ficou para trás. Assim consegue emprego como empregada em uma casa.

Val mora no quarto de empregada da casa. Quente, pequeno e afastado da sede principal. Val é considerada “praticamente da família”. Mas sabe que não é e nem nunca chegará perto de ser de fato da família.

Val se coloca no seu lugar, “o local da criadagem”. E se comporta como uma criada. Lava, passa, limpa, cata o coco do cachorro, prepara o almoço, o café, lanche, a janta, enfim, “sua obrigação”. Tudo na intenção da falsa ideologia de “viver melhor”, que na tradução significa ter dinheiro e aceitar condições precárias.

O filme, particularmente, me incomodou do começo ao fim. Realmente é um filme para ser indicado ao Oscar. Porque mostra a realidade delas, as excluídas, que são “quase” parte das famílias que, muitas vezes, desde muito cedo, trabalham.

Antigamente os negros eram os escravos. Trabalhavam exaustivamente, eram postos em senzalas, sofriam abusos físicos e psíquicos, simplesmente por sua cor; considerada como inferior. O período durou muito tempo, mas a abolição da escravatura foi assinada, pela Princesa Isabel e livres eles estavam.

Nos dias atuais, está velada a seguinte frase: não existem mais escravos. E ao mesmo tempo a contrarresposta é: e sim empregadas. Nós pagamos, elas nos servem. Justo? Sim, você responderia. Mas temos alguns poréns.


Val, criou o filho da empregada, o Fabinho. Fabinho é apegado a Val, e o sentimento é reciproco. Fabinho se sente mais confortável na presença de Val do que da mãe.

Com o decorrer do filme é nítido que sua mãe tem preocupações individualistas. Ama o filho, mas tem os seus problemas e seu trabalho. Hoje muitos de nós formamos várias famílias ao decorrer de nossas vidas. Aquela que temos vínculos sanguíneos é aquela que não elegemos. Mas os nossos amigos são considerados a família que escolhemos. Não temos vínculos sanguíneos, mas nos consideramos “irmãos”. E tratamos estes com o maior carinho e amor do mundo.

Val cuida do filho da patroa, como se fosse seu, com um amor notável e genuíno. Val serve a todos, trata a todos com carinho e respeito. Mas mesmo assim não é inteiramente da família. É praticamente.

Cama desarrumada, flores secas, chão sujo, pia cheia de pratos, panelas e copos. A cachorra e suas sujeiras, os seus patrões lotando os lixos. Val, aquela que sustenta os vícios dos folgados, mantêm tudo em ordem, tudo limpo. E aceita. Até porque cada um na sociedade possui o “SEU lugar”.

Será?

No decorrer do filme, Jessica, sua filha, liga e diz que está indo para São Paulo prestar vestibular. Chegando, Val já lhe avisa de antemão.


IREMOS FICAR NA CASA DE MEUS PATRÕES, PORQUE EU MORO NO MEU SERVIÇO.


Jéssica aproxima-se para colocar ordem com sua desordem. Chega e já diz a que veio. Prestar o vestibular da USP, para Arquitetura. Uma das mais concorridas de todo o Brasil. O sarcasmo é notado, perante uma garota pobre e filha da empregada.

Os padrões pensam: tadinha. E Jessica pensa, me aguardem (até porque mais a frente Jéssica, a coitada, passa na primeira fase do vestibular e Fabinho, estudante possivelmente dos melhores colégios da Capital, não).

Jessica nada na piscina, come na mesa da cozinha, dorme no quarto de hospedes. A patroa fica inconformada com as atitudes da garota e reproduz em forma de FALA, o que muitos brasileiros que possuem os serviços de uma empregada, fariam/fazem.

Diz a Val que quer Jessica para trás da porta da cozinha e ainda esvazia a piscina argumentando que viu um rato (em forma de ser humano), apenas para a garota não desfrutar do que não é dela.

Jéssica não tem sangue de barata (e sim de pobre, pela visão da patroa de sua mãe), não se conforma e vai embora da mansão. Sua mãe fica devastada, mas também se incomodava com as ações da filha. Val considerava o seu lugar, e de quem mais que possuísse vínculo com ela, no quartinho de empregada. Jéssica tenta mostrar que não é assim.

O filme serve para dar uma lição a aqueles que acreditam que família, se baseia apenas em laços sanguíneos, tirando a “família dos amigos”. A mulher que te criou, limpou suas sujeiras, te deu amor, carinho, ofereceu abrigo lhe expondo sua confiança e até cedeu a sua cama para as noites em que você estava com insônia é sim da SUA FAMÍLIA. E merece ter atenção, cuidado, carinho e a cima de tudo, receber a confiança e compreensão que um patrão deve ter.

Por que as empregadas não podem nadar na piscina em dias ensolarados? Como uma recompensa mais do que merecida. Por que a Val não pode dormir no quarto de hóspedes, que fica vago? O quarto da empregada é a senzala melhorada; pequeno, quente e desumano.

Val enfim pede demissão da casa, para finalmente, cuidar de sua filha e talvez recuperar o tempo que perdeu, trabalhando a distância para sustentar a garota. A ternura do momento é intensa.

Jéssica, deixou um filho para trás, Jorge. Igualmente a mãe fez, em busca de uma vida melhor. Mas Jéssica veio a São Paulo, não se sentindo inferior por ser filha de empregada, por estudar em uma escola de nível ruim. Jéssica simplesmente não se considera pior. E de fato não é.

Existem várias Jessicas e Vals espalhadas pelo mundo à fora. Não pedem nem muito nem menos, apenas querem o seu respeito.

De fato, para as Vals , foi aprovado em maio deste ano melhorias aos seus cargos. Remuneração por hora extra, em casos de acidente no trabalho, hoje, há uma assistência , direito a seguro desemprego entre outros benefícios que vieram pautar o quanto são merecedoras de direitos pelo serviço que prestam.

Quanto a Jéssicas, que possuem um estudo falho por conta das escolas que tem poucos olhos para o Estado brasileiro, existem as cotas, que muitos coxinhas reprimem.

O caso de Jéssica (do filme) é mais interessante, ela não se contenta em receber regras e sim analisa-las, contestá-las se for necessário e criar a sua própria ideologia do fato.

As cotas para alunos, de escolas estaduais e municipais, existem por vários motivos, mas acredito que de alguma forma, esta tenta recuperar alunos da rede pública que ficaram defasados pela falta de infraestrutura que lhes foram oferecidos. Os esforçados e com visões além das que lhe são impostas, são cotistas que vão longe.


  •  Por que este filme não foi um tapa na minha cara e sim um incomodo frequente?


Porque eu nunca fui de ter muitas empregadas em meu lar. Elas vinham e iam. Mas na casa da minha avó paterna sempre existiu a amada “Danda”.

Danda sempre fez parte da família, sempre sentou conosco na mesa, sai com a gente para ir em restaurantes e hoje depois dos filhos da minha avó Vera tomarem um rumo na vida e saírem da casa, Danda é a única companhia, fixa, da minha avó.

Acredito que seria estranho e incômodo para a minha pessoa se as coisas não fossem assim com Danda que tanto cuidou e teve carinho com todos. Porque ela não é praticamente, simplesmente é da família.

Danda tem todos os direitos e cuidados que todas as empregadas deveriam ter no Brasil.

Dandão este recado vai para você:

EU NUNCA ME ESQUEÇO QUANDO EU FIZ VOCÊ SUBIR NUM PÉ DE FRUTA PARA FICAR COMIGO, APENAS OBSERVANDO A FAZENDA DO VÔ VALDEMAR. TE AGUARDO EM MINHA FORMATURA HEIM :) 

You Might Also Like

0 comentários